A obra o Diabo e a Terra de Santa
Cruz foi escrita originalmente em 1986, por Laura de Mello e Souza, como fruto
da sua dissertação de mestrado, com o título original de sabás e calundus – feitiçarias, práticas mágicas e religiosidade
popular no Brasil colonial, sob a orientação do Dr. Fernando Antônio Novaes.
Laura é historiadora formada em 1975
pela USP[1], possui Mestrado, também
pela USP, em História social em 1980, Doutorado pela mesma Universidade em 1986
e livre docência, também na USP no ano de 1993. Ela desenvolveu diversos
trabalhos nas áreas de História das Minas Gerais no século XVIII; sobre
cultura, sociedade e política no império português nos séculos XVI-XVIII; sobre
as relações entre a Europa e o novo mundo nos séculos XVI-XIX; sobre
historiografia brasileira no século XX.
Mello cresceu em um ambiente
propício para o desenvolvimento pela paixão pela leitura e pelas ciências
humanas, seus pais eram ambos professores universitários, e Sérgio Buarque de
Holanda freqüentava sempre sua casa, tudo isso fez com ela considerasse a
história como uma diversão.
Mello e Souza teve sua formação em
um período marcado pela ditadura Militar no Brasil, na qual os estudiosos das
ciências humanas eram “observados com mais cautela”, o que deixou seus pais
apreensivos, quando ela optou por cursar tal graduação, como ela relatou em
entrevista a Revista de História.com.br.
Na metade doa anos 1980, quando o
Diabo e a Terra de Santa Cruz foi escrito, o governo repressor começava a ruir,
já dando seus sinais de que a queda era iminente. A queda de fato do regime
militar se dá no governo de João Batista Figueiredo (1979-1985), quando houve
eleições – de forma indireta- que elegeu Tancredo Neves ao governo, como este
faleceu antes de tomar posse, José Sarney assumiu a presidência do país,
ficando no cargo até 1989, quando a primeira eleição com voto direto, pós
período ditatorial, levou Fernando Collor a cadeira presidencial.
Findo este período, os intelectuais
brasileiros puderam ter contato com novas perspectivas de abordagens históricas
que até então seriam reprimidas pelo governo repressor, a História das
Mentalidades, como então era chamda, que estava em alta na Europa desde a
década de 1960, e representava o maior expoente da terceira geração dos Annales,
passou a fazer sucesso entre os pesquisadores brasileiros.
Esta terceira geração dos Annales passou
a trabalhar com temas novos na pesquisa histórica, a partir de então as cenas
do cotidiano e as representações passaram a fazer parte de seus estudos, abrindo
um novo leque de possibilidades para novos trabalhos.
Diversos são os autores que
influenciaram as produções historiográficas no Brasil, escritores como: Carlo
Ginzburg, Keith Thomas, Edward Thompson, Robert Darnton e Natalie Zemon Davis.
Inserida nesse contexto, Laura de
Mello torna-se pioneira no campo da História das Mentalidades no Brasil, com
sua obra “O Diabo e a Terra de santa Cruz”, ela abordou um tema até então
inédito no nosso país, como a própria autora diz: “O diabo e a terra de santa cruz
é um estudo sobre feitiçaria, práticas mágicas e religiosidade popular no
Brasil colônia” (Souza, 2009, p.21), ou seja, Laura trabalhou com um tema do
cotidiano do período colonial, tema que até então não havia trabalhos escritos
sobre ele no Brasil.
Interessante perceber que a autora
também reconhece que este tema foi pensado para analisar uma situação do
período supracitado, ele também reflete o período da escrita no qual está
inserido:
Mas
penso que o livro pode ser visto também como testemunho de uma certa época, de
um certo clima mental que vigorava na universidade brasileira no meado da
década de 80, quando começava a descompressão dos anos de chumbo da ditadura
militar e quando, a partir de tradições intelectuais muito peculiares –
destacando-se a obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda - ,
buscavam-se caminhos novos, ou pelo menos renovados. (Souza, 2009, p.21)
Como bem notamos nessa citação,
Laura expõe, com muita propriedade, como que os autores recebem a influência da
época na qual estão inseridos.
Os autores que influenciarão Laura
de Mello são justamente os que citamos acima, acrescentando ainda nesta lista
Jaques Le Goff, Emannoel Le Roy Ladurie e até mesmo Michel Foucault.
Destacamos como uma influência para
Laura, a que ela sofre de Carlo Ginzburg, precursor na tal história das
mentalidades, é citação recorrente na obra de Mello, o que fica evidente na
parte final de seu texto, quando ela utiliza-se de diversos exemplos de pessoas
que foram denunciadas e julgadas pela inquisição no Brasil colonial por causa
de um suposto crime contra a santa fé Católica.
Depois de situarmos o contexto
histórico no qual Laura escreveu a obra em análise, de falarmos sobre as
influências sofridas pela autora, e de sua contribuição enquanto precursora de
uma corrente historiográfica no Brasil, passaremos a olhar mais a fundo o diabo
e a terra de santa cruz.
A obra está dividida em três parte,
nas quais a autora traça um texto envolvente e empolgante sobre a questão da
feitiçaria e da religiosidade popular na colônia.
A primeira parte tem por nome
Riquezas e impiedades: a sina da colônia, e é dividida em dois capítulos: 1 “O
novo mundo entre Deus e o diabo” e segundo capítulo: “Religiosidade popular na
colônia”; a segunda parte tem por título Feitiçaria, práticas mágicas e vida
cotidiana, dividida em quatro capítulos, os quais sejam: “Sobrevivência
material”, “Deflagração de conflitos”, Preservação da afetividade” e
“Comunicação com o sobrenatural”; e para finalizar, a parte III, Universo
Cultural, Projeções imaginárias e vivências reais, cujos capítulos são: “Os
discursos imbricados” e “Histórias extraordinárias: o destino de cada um”.
Ao longo de seu livro, Mello aborda
a questão do contato do português com o novo mundo. Este contato perpassa antes
pela dimensão das viagens imaginárias, até se concretizar as viagens reais.
Ou seja,o europeu por muito tempo já
tinha em suas mentes histórias miraculosas que ouviam de viajantes, de como que
seriam as terras além do oceano índico, lugares estes nos quais habitariam
seres monstruosos, ciclopes e criaturas desse tipo.
Durante séculos, o oceano Índico constituiu-se
em horizonte mental corporificador do exotismo (ou da necessidade dele) do
Ocidente medieval, o lugar de seus sonhos e do fluir de seus instintos. Para Le
Goff, o temor em desvendá-lo seria como o temor em desvendar os próprios
sonhos. (Souza, 2009, p.39)
Como vemos nessa citação, havia um
temor em perpassar o oceano Índico, pois ele representava um desafio, e o que
se sabia sobre a vida além dele era o que relatavam antigos viajantes.
Mello mostra uma visão dupla que se
desenvolveu no imaginário europeu em relação as terras brasileiras, um visão
edênica, que tem sempre a ver com as paisagens e os animais, e outra infernal,
que envolve a figura dos humanos que encontram por cá. Há também uma terceira
possibilidade, um visão do purgatório, na qual se encaixam os portugueses
enviados para o Brasil, pois estes estariam purgando seus pecados.
Interessante também perceber que
para a dominação política e econômica da colônia, Portugal se utilizará das
premissas religiosas, nas quais o bom europeu veio para salvar o pobre pecador,
o nativo que estava condenado ao inferno.
É a aproveitando esta premissa
religiosa que chegamos ao ponto principal, ao tema do texto de Mello, que é o
de ser um estudo sobre feitiçaria e religiosidade popular na colônia.
Segundo Laura de Mello “uma colônia
escravista estava, pois, fadada ao sincretismo religioso”(SOUZA, 2009, p.128),
com isso a autora mostra que o sincretismo religioso no Brasil colonial era uma
constante, pois existiam traços das religiões católica, indígena, judaica e
africana, compondo a cultura do novo país.
Desse sincretismo religioso surgiram
várias pessoas, a exemplo de Joana Mendes, Baltazar da Fonseca, Luiza Pinta e a
índia Sabina, entre tantos outros, que apareceram nas pesquisas de Laura de
Mello, pessoas estas que foram vítimas do tribunal da inquisição, que veio para
o Brasil, investigar casos de feitiçaria, bruxaria, enfim, de “crimes” que iam
de encontro aos ideais católicos.
Esses chamados crimes, eram práticas
comuns as religiões indígenas, africanas, enfim, das religiões que compuseram a
formação étnica cultural da colônia, eles cometiam o pecado de curar de forma
imprópria, de atrair a pessoas amada com simpatias, existiam as rezas fortes,
os calundus, entre tantas outras manifestações culturais que eram uma forma dos
nativos, ou dos negros, recorrerem a sua vida de antes, de fugir da opressão
dos colonos.
Passou-se a recorrer a catequese e
as visitas inquisitoriais para tentar homogeneizar todo este sincretismo
religioso. E o medo destas visitas inquisitoriais fazia com que surgissem
denúncias infundadas e confissões forçadas, o que levou muita gente inocente
para os tribunais da inquisição.
Laura de Mello e Souza passou muito
tempo se debruçando sobre os arquivos existentes acerca do tribunal do santo
ofício no Rio de Janeiro, Minas Gerais e em Lisboa, para nos presentear com uma
obra tão interessante e prazerosa, que nos leva a entender, ou pelo menos
refletir, sobre o período colonial brasileiro, de uma forma inédita, pois
muitas produções já existiam acerca deste período, mas nenhuma ainda voltada
para a religiosidade popular e as práticas mágicas do supracitado período.
Eis a grande contribuição de Laura
de Mello e Souza, inovar nos estudos acerca do período colonial concernente a
estudos religiosos, o que nos faz perceber que o Brasil, mesmo sendo
oficialmente católico por muito tempo, sempre teve um sincretismo religioso
bastante intenso, e ainda tem, Laura nos levou ao período colonial e nos fez
ver como que esta questão é tão presente nos dias de hoje.
E o diabo, que tanto os portugueses
quiseram afastar do povo da colônia, foram eles mesmos quem trouxeram, com uma
intolerância religiosa cultural, que quase acabou coma cultura do outro, quase,
pois na realidade, tais práticas contribuíram ainda mais para o sincretismo
religioso.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA,
Késia Rodrigues de. Diabo e feitiçaria no Brasil Colônia.
In-----Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 4, n. 7,
out. 2010.
Revistadehistoria.com.br.
entrevista com Laura de Mello e Souza. Acessado em 31 de agosto de 2013 as 14
horas
SOUZA,
Laura de Mello e. O diabo e a terra de santa cruz: feitiçaria e religiosidade
popular no Brasil colonial. 2ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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