quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Análise Historiográfica de “O Diabo e a Terra de santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial.



            A obra o Diabo e a Terra de Santa Cruz foi escrita originalmente em 1986, por Laura de Mello e Souza, como fruto da sua dissertação de mestrado, com o título original de sabás e calundus – feitiçarias, práticas mágicas e religiosidade popular no Brasil colonial, sob a orientação do Dr. Fernando Antônio Novaes.
            Laura é historiadora formada em 1975 pela USP[1], possui Mestrado, também pela USP, em História social em 1980, Doutorado pela mesma Universidade em 1986 e livre docência, também na USP no ano de 1993. Ela desenvolveu diversos trabalhos nas áreas de História das Minas Gerais no século XVIII; sobre cultura, sociedade e política no império português nos séculos XVI-XVIII; sobre as relações entre a Europa e o novo mundo nos séculos XVI-XIX; sobre historiografia brasileira no século XX.
            Mello cresceu em um ambiente propício para o desenvolvimento pela paixão pela leitura e pelas ciências humanas, seus pais eram ambos professores universitários, e Sérgio Buarque de Holanda freqüentava sempre sua casa, tudo isso fez com ela considerasse a história como uma diversão.
            Mello e Souza teve sua formação em um período marcado pela ditadura Militar no Brasil, na qual os estudiosos das ciências humanas eram “observados com mais cautela”, o que deixou seus pais apreensivos, quando ela optou por cursar tal graduação, como ela relatou em entrevista a Revista de História.com.br.
            Na metade doa anos 1980, quando o Diabo e a Terra de Santa Cruz foi escrito, o governo repressor começava a ruir, já dando seus sinais de que a queda era iminente. A queda de fato do regime militar se dá no governo de João Batista Figueiredo (1979-1985), quando houve eleições – de forma indireta- que elegeu Tancredo Neves ao governo, como este faleceu antes de tomar posse, José Sarney assumiu a presidência do país, ficando no cargo até 1989, quando a primeira eleição com voto direto, pós período ditatorial, levou Fernando Collor a cadeira presidencial.
            Findo este período, os intelectuais brasileiros puderam ter contato com novas perspectivas de abordagens históricas que até então seriam reprimidas pelo governo repressor, a História das Mentalidades, como então era chamda, que estava em alta na Europa desde a década de 1960, e representava o maior expoente da terceira geração dos Annales, passou a fazer sucesso entre os pesquisadores brasileiros.
            Esta terceira geração dos Annales passou a trabalhar com temas novos na pesquisa histórica, a partir de então as cenas do cotidiano e as representações passaram a fazer parte de seus estudos, abrindo um novo leque de possibilidades para novos trabalhos.
            Diversos são os autores que influenciaram as produções historiográficas no Brasil, escritores como: Carlo Ginzburg, Keith Thomas, Edward Thompson, Robert Darnton e Natalie Zemon Davis.
            Inserida nesse contexto, Laura de Mello torna-se pioneira no campo da História das Mentalidades no Brasil, com sua obra “O Diabo e a Terra de santa Cruz”, ela abordou um tema até então inédito no nosso país, como a própria autora diz: “O diabo e a terra de santa cruz é um estudo sobre feitiçaria, práticas mágicas e religiosidade popular no Brasil colônia” (Souza, 2009, p.21), ou seja, Laura trabalhou com um tema do cotidiano do período colonial, tema que até então não havia trabalhos escritos sobre ele no Brasil.
            Interessante perceber que a autora também reconhece que este tema foi pensado para analisar uma situação do período supracitado, ele também reflete o período da escrita no qual está inserido:
Mas penso que o livro pode ser visto também como testemunho de uma certa época, de um certo clima mental que vigorava na universidade brasileira no meado da década de 80, quando começava a descompressão dos anos de chumbo da ditadura militar e quando, a partir de tradições intelectuais muito peculiares – destacando-se a obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda - , buscavam-se caminhos novos, ou pelo menos renovados. (Souza, 2009, p.21)
           
            Como bem notamos nessa citação, Laura expõe, com muita propriedade, como que os autores recebem a influência da época na qual estão inseridos.
            Os autores que influenciarão Laura de Mello são justamente os que citamos acima, acrescentando ainda nesta lista Jaques Le Goff, Emannoel Le Roy Ladurie e até mesmo Michel Foucault.
            Destacamos como uma influência para Laura, a que ela sofre de Carlo Ginzburg, precursor na tal história das mentalidades, é citação recorrente na obra de Mello, o que fica evidente na parte final de seu texto, quando ela utiliza-se de diversos exemplos de pessoas que foram denunciadas e julgadas pela inquisição no Brasil colonial por causa de um suposto crime contra a santa fé Católica.
            Depois de situarmos o contexto histórico no qual Laura escreveu a obra em análise, de falarmos sobre as influências sofridas pela autora, e de sua contribuição enquanto precursora de uma corrente historiográfica no Brasil, passaremos a olhar mais a fundo o diabo e a terra de santa cruz.
            A obra está dividida em três parte, nas quais a autora traça um texto envolvente e empolgante sobre a questão da feitiçaria e da religiosidade popular na colônia.
            A primeira parte tem por nome Riquezas e impiedades: a sina da colônia, e é dividida em dois capítulos: 1 “O novo mundo entre Deus e o diabo” e segundo capítulo: “Religiosidade popular na colônia”; a segunda parte tem por título Feitiçaria, práticas mágicas e vida cotidiana, dividida em quatro capítulos, os quais sejam: “Sobrevivência material”, “Deflagração de conflitos”, Preservação da afetividade” e “Comunicação com o sobrenatural”; e para finalizar, a parte III, Universo Cultural, Projeções imaginárias e vivências reais, cujos capítulos são: “Os discursos imbricados” e “Histórias extraordinárias: o destino de cada um”.
            Ao longo de seu livro, Mello aborda a questão do contato do português com o novo mundo. Este contato perpassa antes pela dimensão das viagens imaginárias, até se concretizar as viagens reais.
            Ou seja,o europeu por muito tempo já tinha em suas mentes histórias miraculosas que ouviam de viajantes, de como que seriam as terras além do oceano índico, lugares estes nos quais habitariam seres monstruosos, ciclopes e criaturas desse tipo.
 Durante séculos, o oceano Índico constituiu-se em horizonte mental corporificador do exotismo (ou da necessidade dele) do Ocidente medieval, o lugar de seus sonhos e do fluir de seus instintos. Para Le Goff, o temor em desvendá-lo seria como o temor em desvendar os próprios sonhos. (Souza, 2009, p.39)

            Como vemos nessa citação, havia um temor em perpassar o oceano Índico, pois ele representava um desafio, e o que se sabia sobre a vida além dele era o que relatavam antigos viajantes.
            Mello mostra uma visão dupla que se desenvolveu no imaginário europeu em relação as terras brasileiras, um visão edênica, que tem sempre a ver com as paisagens e os animais, e outra infernal, que envolve a figura dos humanos que encontram por cá. Há também uma terceira possibilidade, um visão do purgatório, na qual se encaixam os portugueses enviados para o Brasil, pois estes estariam purgando seus pecados.
            Interessante também perceber que para a dominação política e econômica da colônia, Portugal se utilizará das premissas religiosas, nas quais o bom europeu veio para salvar o pobre pecador, o nativo que estava condenado ao inferno.
            É a aproveitando esta premissa religiosa que chegamos ao ponto principal, ao tema do texto de Mello, que é o de ser um estudo sobre feitiçaria e religiosidade popular na colônia.
            Segundo Laura de Mello “uma colônia escravista estava, pois, fadada ao sincretismo religioso”(SOUZA, 2009, p.128), com isso a autora mostra que o sincretismo religioso no Brasil colonial era uma constante, pois existiam traços das religiões católica, indígena, judaica e africana, compondo a cultura do novo país.
            Desse sincretismo religioso surgiram várias pessoas, a exemplo de Joana Mendes, Baltazar da Fonseca, Luiza Pinta e a índia Sabina, entre tantos outros, que apareceram nas pesquisas de Laura de Mello, pessoas estas que foram vítimas do tribunal da inquisição, que veio para o Brasil, investigar casos de feitiçaria, bruxaria, enfim, de “crimes” que iam de encontro aos ideais católicos.
            Esses chamados crimes, eram práticas comuns as religiões indígenas, africanas, enfim, das religiões que compuseram a formação étnica cultural da colônia, eles cometiam o pecado de curar de forma imprópria, de atrair a pessoas amada com simpatias, existiam as rezas fortes, os calundus, entre tantas outras manifestações culturais que eram uma forma dos nativos, ou dos negros, recorrerem a sua vida de antes, de fugir da opressão dos colonos.
            Passou-se a recorrer a catequese e as visitas inquisitoriais para tentar homogeneizar todo este sincretismo religioso. E o medo destas visitas inquisitoriais fazia com que surgissem denúncias infundadas e confissões forçadas, o que levou muita gente inocente para os tribunais da inquisição.
            Laura de Mello e Souza passou muito tempo se debruçando sobre os arquivos existentes acerca do tribunal do santo ofício no Rio de Janeiro, Minas Gerais e em Lisboa, para nos presentear com uma obra tão interessante e prazerosa, que nos leva a entender, ou pelo menos refletir, sobre o período colonial brasileiro, de uma forma inédita, pois muitas produções já existiam acerca deste período, mas nenhuma ainda voltada para a religiosidade popular e as práticas mágicas do supracitado período.
            Eis a grande contribuição de Laura de Mello e Souza, inovar nos estudos acerca do período colonial concernente a estudos religiosos, o que nos faz perceber que o Brasil, mesmo sendo oficialmente católico por muito tempo, sempre teve um sincretismo religioso bastante intenso, e ainda tem, Laura nos levou ao período colonial e nos fez ver como que esta questão é tão presente nos dias de hoje.
            E o diabo, que tanto os portugueses quiseram afastar do povo da colônia, foram eles mesmos quem trouxeram, com uma intolerância religiosa cultural, que quase acabou coma cultura do outro, quase, pois na realidade, tais práticas contribuíram ainda mais para o sincretismo religioso.


REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Késia Rodrigues de. Diabo e feitiçaria no Brasil Colônia. In-----Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 4, n. 7, out. 2010.
Revistadehistoria.com.br. entrevista com Laura de Mello e Souza. Acessado em 31 de agosto de 2013 as 14 horas
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de santa cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. 2ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.










           
           


[1] Universidade de São Paulo

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